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Terça-feira, 25 Janeiro 2005 00:59

PORTUGAL
O aborto democrático



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No fundo, acho que devemos fazer tudo o que o dr. Louçã nos pede, mesmo porque as respectivas razões revelam certa lógica. Basta que ele dê o exemplo e, na medida em que nunca teve qualquer parentesco com a democracia, desista de concorrer a eleições. Para já, o momento mais enigmático da campanha aconteceu durante um debate na SIC Notícias. Foi quando o dr. Louçã proibiu Paulo Portas de opinar acerca do aborto, sob o pretexto de que o chefe do PP não tem filhos. Em si, o facto não mereceria duas linhas. Mas, se a memória não me trai, surgiu por aí no Verão passado um barco holandês, destinado a interromper gravidezes nas costas nacionais e da lei. Se a memória não me finta, parece que não interrompeu nenhuma, embora tenha sido recebido aos pulinhos por bandos de autoproclamados “activistas”. E, se a memória não me foge, esses pequenos bandos constituem, na sua maioria, as filiais ‘gay’ do Bloco de Esquerda, as quais, todas contentes, aproveitaram a presença do barco para ‘relançar’ o tema do aborto. A menos que o dr. Louçã não acompanhe as actividades do Bloco (o que seria triste), ou que os membros das associações ‘gay’ mintam sobre as suas preferências sexuais (o que seria trágico), temos um fenómeno em mãos: os homossexuais do BE podem discutir o aborto, logo os homossexuais do BE procriam. Antes de gritarmos milagre, julgo que o dr. Louçã deve uma explicação do fenómeno à comunidade científica. E, já agora, à comunidade ‘gay’ não ‘bloquista’, que se vê aflita com as dificuldades na adopção. Quanto ao resto, insisto que a frase do dr. Louçã suscitou exageradíssimas reacções. Coitado do homem. À imagem dos seus mentores, ele apenas gostaria de determinar o que podemos, ou não podemos, dizer. Ao contrário dos seus mentores, ele não consegue determinar nada, donde o permanente estado de psicose furiosa em que se encontra. Um dia dá-lhe uma coisinha ruim, e nós a assistir em directo. Por mim, estou disposto a contribuir para a tranquilidade do dr. Louçã. Como, à semelhança de Paulo Portas, não tenho filhos, prometo não voltar a escrever uma linha sobre o aborto, os infantários ou as papas Blédine. E não me fico por aqui. Como não tenho familiares internados, recuso-me a abordar o Sistema de Saúde. Como jamais entrei num tribunal, não mexo na Justiça. Como não sou marxista, esqueço a Economia. Como não sou revolucionário, não ponho o pé no marxismo. Como sou detentor de pés tortos, abdico de comentar futebol. E até ganhar o Nobel e encher o Scala de Milão, não volto a beliscar livro ou disco.


No fundo, acho que devemos fazer tudo o que o dr. Louçã nos pede, mesmo porque as respectivas razões revelam certa lógica. Basta que ele dê o exemplo e, na medida em que nunca teve qualquer parentesco com a democracia, desista de concorrer a eleições.

Artigo de Opinião de Alberto Gonçalves (albertog@netcabo.pt)

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